sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Da Denotação (completo) - (1/2)

Da Denotação – Bertrand Russell
Ensaio em "Lógica e Conhecimento"
Coleção Os Pensadores – 1ª edição
Tradução – Pablo Rubén Mariconda

1ª Parte (1 de 2)

Entendo por "expressão denotativa" qualquer uma das seguintes expressões: um homem, algum homem, qualquer homem, cada homem, todos os homens, o atual rei da Inglaterra, o atual rei da França, o centro de massa do sistema solar no primeiro instante do século XX, a revolução da Terra ao redor do Sol, a revolução do Sol ao redor da Terra. Por conseguinte, uma expressão é denotativa unicamente devido a sua forma. Podemos definir três casos:

(1) Uma expressão pode ser denotativa e, todavia, não denotar nada; por exemplo, “o atual rei da França”.
(2) Uma expressão pode denotar um objeto definido; por exemplo, “o atual rei da Inglaterra” denota um certo homem.
(3) Uma expressão pode denotar de maneira ambígua; por exemplo, “um homem” não denota muitos homens, mas um homem ambíguo. A interpretação de tais expressões é um assunto de considerável dificuldade; com efeito, é muito difícil construir qualquer teoria não suscetível de refutação formal. Todas as dificuldades de que tenho conhecimento são satisfeitas, até onde me é possível ver, pela teoria que explicarei a seguir.

O objeto da denotação é de grande importância, não só para a lógica e a matemática, mas também para a teoria do conhecimento. Por exemplo, sabemos que o centro de massa do sistema solar num instante definido é algum ponto definido e podemos afirmar um determinado número de proposições acerca dele; mas não temos conhecimento de trato imediato desse ponto, que é conhecido por nós somente através de descrição. A distinção entre conhecimento de trato e conhecimento acerca de é a distinção entre as coisas de que temos representações e as coisas que somente alcançamos por meio de expressões denotativas. Acontece, frequentemente, que sabemos que uma certa expressão denota sem ambiguidade, apesar de não termos conhecimento de trato daquilo que ela denota; isto acontece com o caso, exposto acima, do centro de massa. Na percepção, temos conhecimento de trato dos objetos da percepção, e no pensamento temos conhecimento de trato dos objetos de um caráter lógico mais abstrato; mas não temos necessariamente conhecimento de trato dos objetos denotados por expressões compostas de palavras de cujos significados temos conhecimento de trato, Para considerar um exemplo muito importante: parece não haver razão para acreditar que temos sempre conhecimento de trato das mentes das outras pessoas, visto que estas não são diretamente percebidas; portanto, o que conhecemos a respeito delas é obtido por denotação. Todo pensamento deve começar pelo conhecimento de trato; mas ele é bem sucedido em pensar acerca de muitas outras coisas das quais não temos conhecimento de trato.

O curso de minha argumentação será o que segue. Começarei por expor que pretendo defender [[discuti este mesmo assunto em Principles of Mathematics, cap.V e par. 476; teoria que aí defendida é aproximadamente a mesma que a teoria de Frege, e é bastante diferente da teoria que será defendida neste artigo]], discutirei, a seguir, as teorias de Frege e Meinong, mostrando por que nenhuma delas me satisfaz; darei, então, as razões em favor de minha teoria; e, finalmente, indicarei brevemente as consequências filosóficas de minha teoria.

Minha teoria, exposta brevemente, é a que se segue. Tomo a noção de variável como fundamental; uso “C(x)” para significar uma proposição (mais exatamente, uma função proposicional) na qual x é um constituinte, onde x, a variável, é essencial e totalmente indeterminada. Podemos então, considerar as duas noções “C(x) é sempre verdadeira” e “C(x) é algumas vezes verdadeira” (a segunda pode ser definida por meio da primeira, se a tomamos significando “não é verdade que ‘C(x) é falsa’ é sempre verdadeira”). Logo, tudo, nada e algo (que são as mais primitivas das expressões denotativas) devem ser interpretadas como se segue:

C(tudo) significa “C(x) é sempre verdadeira”;
C(nada) significa “‘C(x) é falsa’ é sempre verdadeira”;
C(algo) significa “É falso que ‘C(x) é falsa’ é sempre verdadeira”. (Usarei algumas vezes, ao invés desta expressão complicada, a expressão “C(x) não é sempre falsa”, ou “C(x) é algumas vezes verdadeira”, supondo a expressão definida significar o mesmo que a expressão complicada).

Aqui a noção “c(x) é sempre verdadeira” é tomada como fundamental e indefinível, e as outras são definidas através dela. Tudo, nada e algo não são supostas ter qualquer significado isoladamente, mas um significado é atribuído para cada proposição em que elas ocorrem. Este é o principio da teoria da denotação que pretendo defender: as expressões denotativas nunca tem qualquer significado em si próprias, mas cada proposição, em cuja expressão verbal elas ocorrem, tem um significado. Acredito que as dificuldades concernentes à denotação são todas, o resultado de uma analise errônea de proposições, cujas expressões verbais contêm expressões denotativas. A análise, se não estou enganado, deve ser exposta como se segue.

Suponhamos agora, que queiramos interpretar a proposição “eu encontrei um homem”. Se isto for verdade, encontrei algum homem definido; mas se isto não é o que afirmo. O que afirmo é, de acordo com a teoria que defendo:
“’Eu encontrei x, e x é humano’ não é sempre falsa”.
Geralmente, definindo a classe dos homens como classe de objetos que tem o predicado humano, dizemos que:
“C(um homem)” significa “’C(x) e x é humano’ nem sempre é falsa”. Isto deixa “um homem”, por si própria, completamente destituída de significado, mas atribui um significado a cada proposição em cuja expressão verbal “um homem” ocorra.

Considere-se a seguir, a proposição “todos os homens são mortais”. Esta proposição é realmente hipotética e declara que se algo é um homem, é mortal. Isto é, declara que, se x é um homem” por “x é humano”, encontramos: “todos os homens são mortais” significa “’se x é humano, x é mortal’ é sempre verdadeira”.

Isto é, o que se expressa na lógica simbólica dizendo-se que “todos os homens são mortais” significa “’x é humano’ implica ‘x é mortal’ para qualquer valor de x”. De modo geral, dizemos:
“C(todos os homens)” significa “’se x é humano, então C(x) é verdadeira’ é sempre verdadeira”.
De maneira similar:
“C(nenhum homem)” significa “’se x é humano, então C(x) é falsa’ é sempre verdadeira”.
“C(alguns homens)” significará o mesmo que “C(um homem)” [[psicologicamente “C(um homem)” sugere somente um, e “C(algum homem)” sugere mais de um; mas podemos negligenciar essas sugestões num esboço preliminar.]] e
“C(um homem)” significa “é falso que ‘C(x) e x é humano’ é sempre falsa”.
“C(todo homem)” significará o mesmo que “C(todos os homens)”.

Resta interpretar expressões contendo o artigo o (a). Estas são as mais interessantes e difíceis das expressões denotativas. Tome-se como exemplo “o pai de Carlos II foi executado”. Esta proposição afirma que havia um x que era o pai de Carlos II e foi executado. Ora, o, quando é usado rigorosamente, envolve unicidade; é verdade que falamos de “o filho de fulano de tal” mesmo quando fulano de tal tem vários filhos, mas seria mais correto dizer “um filho de fulano de tal”. Logo, para nossos propósitos tomamos o envolvendo unicidade. Portanto, quando dizemos “x era o pai de Carlos II” não somente afirmamos que x tinha uma certa relação com Carlos II, mas também que nada mais tinha essa relação. A relação em questão, sem a assunção da unicidade, e sem qualquer expressão denotativa, é expressa por “x gerou Carlos II”. Para obter um equivalente de “x era o pai de Carlos II“ devemos acrescentar, “se y é diferente de x, y não gerou Carlos II”, ou o que é equivalente, “se y gerou Carlos II, y é idêntico a x”. Portanto, “x é o pai de Carlos II” torna-se: “x gerou Carlos II; e ‘se y gerou Carlos II, y é idêntico a x’ é sempre verdadeira para y.”

Portanto, “o pai de Carlos II foi executado” torna-se: “não é sempre falso para x que x gerou Carlos II e que x foi executado e que ‘se y gerou Carlos II, y é idêntico a x’ é sempre verdadeira para y”. Esta pode parecer uma interpretação até certo ponto inaceitável, mas não estou, neste momento, dando razões, mas simplesmente expondo a teoria.

Para interpretar “C(o pai de Carlos II)”, onde C representa qualquer enunciado acerca dele, temos somente que substituir, no enunciado acima, “x foi executado” por C(x). Observe-se que, de acordo com a interpretação acima, qualquer enunciado que C possa ver, “C(o pai de Carlos II)” implica:

“Não é sempre falso para x que ‘se y gerou Carlos II, y é idêntico a x’ é sempre verdadeira para y”, que é o que se expressa na linguagem comum por “Carlos II teve um pai e mais nenhum”. Consequentemente se esta condição falha, toda proposição da forma “C(o atual rei da França)” é falsa. Esta é a grande vantagem da presente teoria. Mostrarei mais tarde que ela não é contraria à lei de contradição, como poder-se-ia supor a princípio.

O exposto acima mostra uma redução de todas as proposições, em que ocorrem expressões denotativas, a formas em que não ocorrem tais expressões. Porque é necessário efetuar tal redução, a discussão subsequente esforçar-se-á em mostrar.

A evidência em favor da teoria acima deriva-se das dificuldades que parecem inevitáveis se tomamos as expressões denotativas como representativas genuínas das proposições em cujas expressões verbais elas ocorrem. Dentre as possíveis teorias, que admitem tais constituintes, a mais simples é a de Meinong. Esta teoria toma qualquer expressão denotativa gramaticalmente correta como representativa de um objeto. Por conseguinte, “o atual rei da França”, “o quadrado redondo”, etc., supõe-se serem objetos genuínos. Admite-se que tais objetos não subsistem, mas, entretanto, eles são supostos serem objetos. Esta é em si mesma uma perspectiva difícil; mas a principal objeção é que tai objetos, reconhecidamente, estão prontos a infringir a lei de contradição. Sustenta-se, por exemplo, que o existente atual rei da França existe, e também que não existe; que o quadrado redondo é redondo, e também não redondo, etc. Mas isto é intolerável; e se se puder estabelecer qualquer teoria para evitar esse resultado, esta deve ser certamente preferida.

A ruptura, acima colocada, com a lei de contradição é evitada pela teoria de Frege. Ele distingue, numa expressão denotativa, dois elementos, que podemos chamar o significado e a denotação. Assim, “o centro de massa do sistema solar no início do século XX” é altamente complexa em significado, mas sua denotação é um ponto determinado, que é simples. O sistema solar, o século XX, etc., são constituintes do significado, porém a denotação não possui de modo algum constituintes. Frege distingue os dois elementos, significado e denotação, em todas as expressões denotativas complexas. Assim, são os significados dos constituintes de um complexo denotativo que entram em seu significado, não a denotação dos constituintes. Na proposição “Mont Blanc tem mais de 1000 metros de altura”, é, segundo ele, o significado de “Mont Blanc”, não a montanha real, que é um constituinte do significado da proposição. Uma vantagem desta distinção é que ela mostra por que, frequentemente, é conveniente afirmar-se a identidade. Se dizemos “Scott é o autor de Waverley”, afirmamos uma identidade de denotação com uma diferença de significado. Entretanto, não repetirei as justificativas em favor desta teoria, como em outra ocasião (ver (1)) me apressei em reivindicar, e justificativas aquelas que tenho agora interesse em discutir.

Uma das primeiras dificuldades que nos fazem frente, quando adotamos a perspectiva de que as expressões denotativas expressam um significado e denotam uma denotação, [[nessa teoria, devemos dizer que a expressão expressa um significado; e devemos dizer tanto da expressão quanto do significado que eles denotam uma denotação. Na outra teoria, a qual defendo, não existe nenhum significado e somente algumas vezes existe uma denotação.]] diz respeito aos casos nos quais a denotação parece estar ausente. Se dissermos “o rei da Inglaterra é careca”, este pareceria não um enunciado acerca do significado complexo “o rei da Inglaterra”, mas acerca do homem real denotado pelo significado. Porém, considere-se agora “o rei da França é careca”. Pela paridade de forma, esta também deveria ser acerca da denotação da expressão “o rei da França”. Mas esta expressão, apesar de ter um significado, não tem, certamente, denotação, pelo menos em qualquer sentido óbvio. Portanto, poder-se-ia supor que “o rei da França é careca” deveria em qualquer sentido óbvio ser carente de sentido, mas esta proposição não é carente de sentido, uma vez que ela é completamente falsa. Ou ainda, considere-se uma proposição com a seguinte: “Se u é a classe que tem somente um membro, então aquele membro é um membro de u”, ou, como podemos enunciá-la, “se u é uma classe unitária, o u é um u”. Esta proposição deveria ser sempre verdadeira, uma vez que a conclusão é verdadeira sempre que a hipótese é verdadeira. Mas “o u” é uma expressão denotativa, e é a denotação, não o significado que se diz ser um u. Ora, se u é uma classe unitária, “o” parece não denotar nada; portanto, nossa própria posição pareceria tornar-se carente de sentido, sempre que u não seja uma classe unitária.

Mas está claro que tais proposições não se tornam carentes de sentido simplesmente porque suas hipóteses são falsas. O rei em A Tempestade poderia dizer, “se Fernando não está afogado, Fernando é meu único filho”. Ora, “meu único filho” é uma expressão denotativa, que à primeira vista, tem uma denotação quando, e somente quando, tenho exatamente um filho. Mas o enunciado acima não teria, entretanto, permanecido verdadeiro se Fernando realmente se afogasse. Por conseguinte, devemos ou prover uma denotação nos casos em que ela está ausente à primeira vista, ou abandonar a perspectiva de que a denotação é o que se concerne nas proposições que contêm expressões denotativas. A última posição é defendida por mim. A primeira posição pode ser tomada, como em Meinong, admitindo-se objetos que não subsistem e negando-se que eles obedeçam À lei de contradição; deve-se evitar, no entanto, tal fato, se possível. Outro modo de se tomar a mesma posição (até onde nossa presente alternativa diz respeito) é adotado por Frege, que provê por definição, algumas denotações puramente convencionais para os casos nos quais, de outro modo, não haveria nenhuma denotação. Assim, “o rei da França” deve denotar a classe vazia; “o único filho do se. Fulano de tal” (que tem uma bela família de dez pessoas) deve denotar a classe de todos os seus filhos; e assim por diante. Mas este procedimento, embora possa não conduzir a um erro lógico real, é completamente artificial, e não dá uma análise exata do problema. Assim, se permitimos geralmente que expressões denotativas possuam os dois aspectos, significado e denotação, os casos em que parece não existir nenhuma denotação causam dificuldades tanto na assunção de que existe realmente uma denotação, quanto na assunção de que realmente não existe nenhuma denotação.

Uma teoria lógica pode ser testada por sua capacidade em lidar com enigmas, e é um bom plano, ao pensar-se acerca da lógica, acumular a mente com tantos enigmas quanto possíveis, uma vez que estes servem ao mesmo tempo propósito que os experimentos na ciência física. Exporei, a partir de agora, três enigmas que uma teoria da denotação deve estar apta a resolver; e mostrarei a seguir que minha teoria os resolve.

(1) Se a é idêntico a b, e o que quer que seja verdadeiro em um é verdadeiro no outro, e até mesmo pode-se substituir um pelo outro em qualquer proposição sem alteração da verdade ou falsidade dessa proposição. Ora, George IV desejava saber se Scott era o autor de Waverley; e de fato Scott era o autor de Waverley. Portanto, podemos substituir o autor de “Waverley” por Scott, e dessa maneira provar que George IV desejava saber se Scott era Scott. Entretanto, um interesse pela lei de identidade dificilmente pode ser atribuído ao primeiro cavalheiro da Europa.
(2) Pela lei de exclusão dos meios, ou “A é B” ou “A não é B” deve ser verdadeira. Portanto, ou “o atual rei da França é careca” ou “o atual rei da França não é careca” deve ser verdadeira. No entanto, se enumerarmos as coisas que são carecas, e a seguir as coisas que não são carecas, não encontraremos o atual rei da França em nenhuma das duas enumerações. Os hegelianos, que amam uma síntese, provavelmente concluirão que ele usa uma peruca.
(3) Considere-se a proposição “A difere de B”. Se isto é verdade, existe uma diferença entre A e B, fato que se pode expressar sob a forma “diferença entre A e B subsiste”. Mas se é falso que A difere de B, então não existe diferença alguma entre A e B; fato que se pode expressar sob a forma “a diferença entre A e B não subsiste”. Mas como pode uma não-entidade ser o sujeito de uma proposição? “Eu penso, logo sou” não é mais evidente do que “eu sou o sujeito de uma proposição, logo eu sou”, desde que “eu sou” seja tomado afirmando subsistência ou ser (uso-os como sinônimos) e não existência. Portanto, pareceria que deve ser sempre uma contradição negar o ser de alguma coisa; mas vimos segundo Meinong que admitir o ser também conduz, algumas vezes a contradições. Assim, se A e B não diferem, supor que existe ou que não existe um objeto tal como “a diferença entre A e B”, parece igualmente impossível.

Quando desejamos falar acerca do significado de uma expressão denotativa, enquanto oposto a sua denotação, o modo natural de fazer tal coisa é colocando-se aspas. Assim dizemos:
O centro de massa do sistema solar é um ponto, não um complexo denotativo; “O centro de massa do sistema solar” é um complexo denotativo, não um ponto.
Ou ainda:
A primeira linha da Elegia de Gray formula uma proposição. “A primeira linha da Elegia de Gray” não formula uma proposição.

Desta forma, tomando-se qualquer expressão denotativa, digamos C, desejamos considerar a relação entre C e “C”, onde a diferença entre eles é do tipo exemplificado nos dois exemplos acima.

Dizemos, para começar, que quando C ocorre, é da denotação que estamos falando; mas quando ocorre “C”, estamos falando do significado. Ora, a relação entre significado e denotação tal como ela se dá na expressão, não é meramente linguística: deve haver uma relação lógica envolvida, que expressamos dizendo que o significado denota a denotação. Mas a dificuldade que se nos coloca é que não podemos ser bem sucedidos tanto na preservação da conexão do significado com a denotação como em evitar que eles sejam uma e a mesma coisa; e também que o significado não pode ser apreendido exceto por meio de expressões denotativas. Isso acontece da seguinte maneira.

A expressão C devia ter tanto significado quanto denotação. Mas se falamos de “o significado de C”, que nos dá o significado (se existe algum) da denotação. “O significado da primeira linha da Elegia de Gray” é o mesmo que “o significado de ‘o sinal de apagar o fogo dobra os sinos do dia que parte’ (the curfew tolls the knell of parting day)”, e não é o mesmo que “o significado de ‘a primeira linha da Elegia de Gray’ “. Assim, a fim de obter o significado que queremos, não devemos falar de “o significado de C”, mas de “o significado de ‘C’”, que é o mesmo que “C” tomado isoladamente. Analogamente, “a denotação de C” não significa a denotação que queremos, mas significa algo que, se de algum modo ela denota, denota o que é denotado pela denotação que queremos. Por exemplo, seja “C”: “o complexo denotativo que ocorre no segundo dos exemplos acima”. Então:
C = “a primeira linha da Elegia de Gray”, e a denotação de C = o sinal de apagar o fogo, dobra os sinos do dia que parte. Mas o que pretendíamos ter como denotação era “a primeira linha da Elegia de Gray”. Desta forma, falhamos em obter o que queríamos.

A dificuldade de falar no significado de um complexo denotativo pode ser formulada assim: no momento em que colocamos o complexo numa proposição, a proposição diz respeito à denotação; e se fazemos uma proposição na qual o sujeito é “o significado de C”, então o sujeito é o significado (se existe algum) da denotação, o que não era a intenção. Isto nos leva a dizer que, quando distinguimos significado e denotação, devemos estar operando com o significado: o significado tem denotação e é um complexo, e dizer-se que possui tanto significado como denotação. A expressão correta, da perspectiva em questão, é que alguns significados têm denotações.

Porém, isto somente torna nossa dificuldade, ao falar dos significados, mais evidente. Pois, suponha-se ser C nosso complexo; então devemos dizer que C é o significado do complexo. Entretanto, sempre que C ocorre sem aspas, o que se diz não é o verdadeiro para o significado, mas somente para a denotação, como quando dizemos: o centro de massa do sistema solar é um ponto. Assim, para falar do próprio C, isto é, para fazer uma proposição acerca do significado, nosso sujeito não deve ser C, mas algo que denota C. Assim, “C”, que é o que usamos quando queremos falar do significado, não deve ser o significado, mas algo que denota o significado. E C não deve ser um constituinte desse complexo, (como é de “o significado de C”); pois, se C ocorre no complexo, será sua denotação, não seu significado, que ocorrerá, e não existe um caminho de volta das denotações aos significados, porque cada objeto pode ser denotado por um número infinito de diferentes expressões denotativas.

Desta forma, pareceria que “C” e C são entidades diferentes, tais que “C” denota C; porém isto não pode ser uma explicação, porque a relação de “C” com C permanece completamente misteriosa; e onde devemos encontrar o complexo “C” que deve denotar C? Além disso, quando C ocorre numa proposição, não é somente a denotação que ocorre (como veremos no próximo parágrafo); todavia, na perspectiva em questão, C é apenas a denotação, sendo o significado completamente relegado a “C”. Esta é uma confusão insolúvel e parece provar que a própria distinção entre significado e denotação foi erroneamente concebida.

Que o significado é relevante, quando uma expressão denotativa ocorre numa proposição, é formalmente provado pelo enigma acerca do autor de Waverley. A propósito “Scott era o autor de Waverley” tem uma propriedade não possuída por “Scott era Scott”, a saber, a propriedade cuja verdade George IV desejava saber. Desta forma, as duas proposições não são idênticas; portanto, o significado de “o autor de Waverley” deve ser tão relevante quanto a denotação, se aderirmos ao ponto de vista ao qual esta distinção pertence. Todavia, como acabamos de ver, assim que aderimos a este ponto de vista, somos compelidos a sustentar que somente a denotação pode ser relevante. Assim, o ponto de vista em questão deve ser abandonado.

Falta mostrar como todos os enigmas que consideramos são resolvidos pela teoria do início deste artigo.

Continua.. (...)

Um comentário: